Ontem, por duas vezes, teve
gente me avisando que, como sempre, deu print.
A madame, caso dos acasos, vem a ter loção
do que isso significa? A pessoa lê uma coisa dos outros, a pessoa gosta, sei
lá, a pessoa, de alguma maneira, engancha o rabo, a palavra fica ali amarrando,
amarrando, a pessoa se debatendo, sem chance de escapulir. Eis o mistério da fé:
o magnetismo de umas boas palavras bem arranjadas, palavras atéias, claro. Atéia
foi pro vento e perdeu o acento? Pesquisar. Palavras sem a promessa de peixe a
valer. A rede de abarcar os dodóis e as felicidades. Dodói foi pro vento e
perdeu o acento? Vá estudar, que não sou obrigada. Acho massa. Alguém também tem que ler aquele
maço. A sensação é essa. Eu acho muito massa, velho. A pessoa tem que despachar
o pacote: passa anel, passa boi, passa boiada. Printei. Empurrei para adiante. Eu pinto o sete e meio, o sujeito printa e julga que me importo. Nem aí. Antes,
desconfiava. Depois do Mestrado, conheço, como a palma das patas. Nada se cria.
A vida é copia e cola, para sempre. A madame faça bom proveito, entendesse? Vi,
ouvi, em algum lugar. Alguém me soprou a toada. Não tenho nada de meu. Quer
assumir a autoria? Bastante lisonjeiro.
Céu,
tão grande é o céu, Dindi. O coordenador acaba de me mandar uma
mensagem: “Dê uma olhada no e-mail institucional”. O coordenador é um menino.
Esbanja competência aos quarenta e quatro cantos do planeta, mas é um menino. Ancião
é ancião. Menino é menino. Gado é gado. Hoje, sinceramente, não estou no clima,
neném. Vou perder o prazo. O bonde vai longe. A esperança. Há esperança? Vou
perder esse prazo. Hoje, não acesso o e-mail institucional, mas nem que a vaca
tussa gordo na minha delicada máscara de florzinha verde e rosa. Voltando ao
assunto, o assunto era o quê? A crônica é um babado forte. Forte e banal. Babado
contente e amargurado. Triste. “É da
tristeza que rimos de coração mais leve”. Existem muitas fragrâncias do
gênero. Patrícia, Eduardo, Dona Fátima Diva das Divas, Flipper, fale aí a
galera que manja do riscado. Não sou, não posso querer ser cronista. Morro de
vergonha. Cotidianamente, Rubem Braga - meu ídolo, meu sol, meu mar, meu
oriente - cotidianamente, madame, o velho Braga, fungando aqui no pé do meu
cangote, corre a vista sobre o papel manchado, sai por aí, sacudindo a cabeça.
Ri-se todo, todo, todo. Ele todinho balança, caçoando. Caçoa. É muito bobo.
Engraçado.
Completei cinquenta e quatro
anos. Cinquenta e quatro anos não são cinquenta e quatro dias. Sem a menor
intenção, a pulso até, confesso, amadureci um tanto. A alma emplacou uns 86.
Alma decrépita. Antiquada. Não se deve desrespeitar um idoso, entendesse? Não
se deve desrespeitar um idoso. Pela minha tampa, pela minha tampa, com a
maluquice a que tenho assistido, de uns dias para cá. Um famosão aí, famoso, é
famoso, o cara foi entrevistado por Jô Soares, madame. É famoso. Não me lembro
do nome dele. Clóvis? Cléber? Minha memória é fogo. Entretanto, guardei a
frase: “A repetição é o símbolo do fracasso”. Jamais repita isso. Repetir essa
frase é o símbolo do fracasso. É igual ao cabra ponderar que a saída para o seu
casamento é transar com uma mulher diferente, uma dona por semana. Os anos vividos
me confirmaram: nada supera o charme da repetição. Ninguém aprende sem repetir.
A repetição elabora, esfolia, aprofunda, transforma. A repetição traz uma
segurança que a madame nem avalia. Sinceramente. A repetição só não serve para
os covardes, para os que comem pelas beiras. Não serve para quem tem o fogo no fiofó. Tenho colegas que estão em sala de aula há décadas, e ainda apostam nesse
caleidoscópio desenfreado, uma praga que extirpa do aluno a extraordinária
possibilidade de repetir, repetir sim, de apurar o gosto, a saudade. Minha
gente, eu tenho colegas que provam, como dois e dois são quatro, que o ideal é
não dar ao guri o tempo de ele pensar. A questão é a seguinte: o que você
imagina, o que você sente, enquanto repete? Qual é o seu desejo? A vantagem de
ser velha é a bendita impotência para certos expedientes. Não consigo mais
fazer. Assunto encerrado. Deus me livre. Todo mundo conhece Átila, né? Pois, eu
estava encantada com uma palestra, envolvidona mesmo, até que ele tocou num
ponto nevrálgico, bem dizer assim. Segundo ele, o professor precisa esforçar-se
para adentrar o universo que desperta o interesse do aluno. De que meu aluno
gosta? De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? Eu
tenho que dar um jeito de mergulhar nessas águas, entendesse? Haja oceano. Uma
penca de aluno. Ou a comunicação não se efetiva. Vai arriscar? A aprendizagem
vai murchar, pelo meio da estrada. Favas contadas. De onde veio essa maluquice?
Não se deve desrespeitar um idoso. Um velho é uma montanha. Uma península. Um
velho é sábio. Sábio sim, senhora. Deixem
essa cruel desqualificação para um Governo corrupto e assassino, cujo principal
objetivo é acabar com o gagá inútil: do fundo da rede para a cova rasa, a
solução para o grave problema previdenciário. Não tenho mais estômago para essa escola, para
esse ensinamento tosco, deturpado. Não tem omeprazol
que resolva. Cansada. Cansada e humilhada. O enaltecimento da juventude é a
coisa mais importante, obviamente. Na hora H, disponibilizem o respirador para
quem mal começou a caminhar. “Mas ser
senhor é triste; eu sou, senhora, e humildemente, o vosso servo”. Ando sem
fôlego, e não morro. Acostumei? Retornei aos primeiros anos do curso de
Hospedagem. Lamentavelmente, seguimos brincando de casinhas separadas. Sabe o
que espero desses meninos, quando isso terminar? Espero que eles saibam do que
gosto. Espero que se esforcem para adentrar o universo que desperta o meu interesse.
Espero que me escutem, que me ajudem. Espero que eles respeitem a minha
história e a minha memória. Não nasci ontem. Espero que eles vão devagar, acompanhando
meus passos, segurando a minha mão. Meu pirão primeiro é o cacete. “Senhor de muitos anos, eis aí; o território
onde eu mando é no país do tempo que foi. (...) De trás de meu muro frio, eu
vos saúdo e canto”. Minha eterna gratidão, eterno Rubem.